domingo, 14 de março de 2004

Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo!

Ao fim de algum tempo no Rio de Janeiro chegou a hora de subir ao Morro do Corcovado, apreciar de perto o seu Cristo Redentor e contemplar as paisagens magnificas que aquele lugar tem para oferecer. 

O Corcovado é um morro com 709m de altitude, localizado por detrás da zona Sul da cidade, entre o Botafogo e a Lagoa Rodrigo de Freitas, e o seu nome vem de uma aparente semelhança com uma “corcunda”. É indiscutivelmente o principal ponto turístico do Rio, não tanto pelo próprio morro, mas antes pela estátua de Jesus Cristo construída no seu topo . . . o Cristo Redentor, que abre os braços para a cidade como se a abraçasse. 

Aquela estátua é o grande ícone da cidade maravilhosa e está intrinsecamente ligada ao seu imaginário. Surge nos folhetos turísticos, nas imagens em bilhetes postais ou em tantas músicas onde é figura principal, sobretudo nos sambas cariocas ou em canções do universo Bossa Nova, onde o morro ou o seu Cristo, são cantados como uma espécie de padroeiro protetor da cidade. 

Mas para nós, portugueses, esta estátua será sempre uma versão brasileira do nosso Cristo Rei, tais são as semelhanças. E no meu caso, em particular, que sou um apaixonado pela Bossa Nova e vejo diariamente da minha janela, a escassas centenas de metros, a estátua do Cristo português, chego a ter a ilusão de confundir estes dois símbolos e as cidades que ambos abraçam . . . e recordo tantas vezes aquela bossinha inspiradora, onde Tom Jobim dizia: “Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo!” (Corcovado - Cover by Carlos Prestes). 
Mas voltando ao Rio, o projeto do Cristo Redentor teve o seu embrião ainda no século XIX, no ano de 1824, com a construção de um bonde, o chamado "Trem do Corcovado", que sobe até o topo da montanha. Bem mais tarde, depois de um concurso de ideias, foi escolhido o modelo de uma estátua inspirada na corrente europeia art déco, concebida pelo engenheiro brasileiro Heitor da Silva Costa, em parceria com o escultor francês Paul Landowski. A estátua foi construída em betão armado e revestida em pedra-sabão, uma rocha metamórfica que se encontra muito no estado de Minas Gerais. Os trabalhos decorreram até à inauguração, no ano de 1931. (Percebe-se, portanto, que o nosso Cristo, inaugurado apenas em 1959, será a réplica e não o original). 

Em 2007, o Cristo Redentor foi oficialmente reconhecido pelo mundo, ao ser considerado uma das Sete Maravilhas, a par de alguns dos grandes ícones mundiais, como o Machu Pichu ou a Grande Muralha da China. 

E de novo no alto do Corcovado, enquanto me perdia naquela paisagem, que alcança toda a cidade, uma imagem fez-me lembrar que o Brasil é também o país do futebol. Foi a figura do imponente estádio Maracanã, que surge do lado Norte do morro e é um dos símbolos indiscutíveis da cidade. Foi construído para o campeonato do Mundo de 1950 e foi logo palco de uma das maiores desilusões coletivas do povo brasileiro, com a derrota na final frente ao Uruguai, com 200 mil pessoas no estádio, num triste episódio que ficou conhecido como Maracanaço. Na altura da nossa viagem o estádio do Maracanã estava já bastante desatualizado face às exigências atuais de conforto e segurança. Mas nos anos seguintes o espaço haveria de ser totalmente reformado para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. 

Mas depois da histórias que aquele local nos trás à memória, falta-me ainda mencionar os instantes mais decisivos da nossa visita. Quisemos chegar cedo para evitar uma maior concentração de turistas, embora se perceba que o espaço está preparado exclusivamente para esse tipo de visitas . . . os turistas chegam, tomam posição nos pontos de observação, tiram fotografias e partem. E era mais ou menos isso que eu contava fazer, mas a experiência acabou por me tocar de uma forma mais intensa. 

Quando nos conseguíamos fixar num local onde era possível contemplar a paisagem envolvente em toda a sua dimensão, o espetáculo começou e prendeu-nos de uma forma muito para além do que estaríamos à espera. 

A sensação era quase vertiginosa e arrepiante, senti-me como que atraído para aquele abismo que se abria à minha frente, sem qualquer defesa ou resguardo, criando uma sensação de cumplicidade para com a cidade. E já não era possível abandonar aquele lugar, tinha de exorcizar toda a emoção que de repente se acumulava. Precisava de mais tempo, um tempo para uma entrega total que a cidade pedia. 

Faltou-me o ar, faltaram-me as forças, senti arrepios, chegaram-me as lágrimas aos olhos, tanta vertigem e tanta comoção. Deixou de nos importar quem eram os outros que ali estavam naquele miradouro, já não nos preocupava sequer a presença do nosso taxista, esperando por nós, deixámos de ter a noção do tempo. Ficámos sozinhos, num silêncio profundo, apesar de tanta gente barulhenta ao nosso lado, e continuámos deslumbrados por aquela cidade que, dali, era ainda mais maravilhosa e “cheia de encantos mil” do que alguma vez a tinha imaginado. A sua Lagoa, no coração da zona Sul, os bairros chiques de Ipanema e Leblon, fixando a linha onde acaba a cidade e começa o mar, as praias do Botafogo e do Flamengo, o centro histórico, e os muitos outros morros que enfeitam a cidade, alguns ocupados por extensas favelas, e ainda a presença imponente do Pão de Açúcar, como um farol que assinala a chegada ao mar da baía da Guanabara
Alguns dias depois, enquanto atravessava uma última vez a cidade do Rio, já de táxi, a caminho do aeroporto, sabiamente batizado como “Aeroporto António Carlos Jobim” e, talvez por isso mesmo, olhando em volta para a cidade que deixávamos para trás, imaginei ouvir mais uma vez, talvez passasse no rádio do carro ou talvez fosse só imaginação minha, aquele som "balançado que é mais que um poema, a coisa mais linda, mais cheia de graça . . . que vem e que passa . . . e fica mais linda, por causa do amor”. 

Carlos Prestes 
Março de 2004

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