Dizer que uma determinada carne pode ser a melhor do mundo é claramente um abuso de linguagem. Deveria talvez dizer que, a mim, numa determinada situação, houve um bife que me fez sentir como se estivesse a comer a melhor carne do mundo... seria mais isso, não é?
Mas não... neste caso, não há qualquer abuso nas palavras, é mesmo a melhor carne do mundo ou, pelo menos, aquela que a mim mais me agradou. E o melhor desta história é que se trata de uma carne bem portuguesa, nascida e criada na ilha de São Miguel, em pleno arquipélago dos Açores. Ou seja, agora, além de termos o melhor do mundo a jogar à bola, também somos uma espécie de campeões mundiais em bifes.
Provavelmente vão achar que falar sobre carnes é algo que se desenquadra completamente do tema natural deste blogue, que é vocacionado para experiências de viagem. Mas enganam-se, a gastronomia é um dos grandes prazeres de viajar e pode ser mesmo uma forma de viajarmos, não pelos países ou pelas cidades, mas pelos paladares, pelas receitas, ou pelas histórias que estão na origem de cada prato.
Quem me dera a mim poder percorrer o mundo à procura da melhor carne. Não é que não o faça quase sempre que viajo. O problema é que precisava de chegar a destinos bem mais distantes, como a Austrália ou o Chile, ou ir até ao Japão provar um verdadeiro bife de Kobe.
Embora já tenha experimentado algumas carnes afamadas, como o T-Bone Sul-Africano ou algumas peças do churrasco gaúcho, do Sul do Brasil, até agora, e até ter encontrado na ilha de São Miguel os bifes que me levaram a escrever esta crónica, o ranking das melhores carnes era liderado pelo famoso chuletón de buey aragonês, do Norte de Espanha, junto aos Pirenéus. Essa peça preciosa de carne resulta sobretudo de um corte apropriado, que faz com que juntem no mesmo naco, a costela e o lombo, e perante essa maravilha feita de parrillada, não havia bife do lombo que superasse tal iguaria.
Mas, em 2017, não num, mas em dois restaurantes, fui surpreendido com um novo conceito de bifes. São nacos suculentos de carne do lombo, com mais de 400g (as pessoas normais dividem por dois, mas vi muitos “gordos” a devorarem a dose inteira, o que não deixa de ser uma tentação). Os bifes são ligeiramente fritos em azeite e manteiga, com louro, pimento vermelho e uns dentes de alho inteiros, ainda com pele. Devem ficar muito mal-passados, quase em sangue... não inventem com o médio e, por favor, não estraguem tudo pedindo bem-passado (se for assim, mais vale pedir outra coisa ou ir a um McDonalds). E acompanham com batatas fritas, daquelas verdadeiras, nada de batatas congeladas. E um tinto, claro, mas, que me perdoem os produtores de vinho açoriano, acho que irá muito melhor com um bom Douro.
Parece um crime para a saúde pública, não parece? Mas é só a melhor carne que alguma vez saboreei, uma autêntica obra de arte.
Esta pièce de résistance pode ser degustada em dois locais. No restaurante Alcides, em Ponta Delgada (Rua Hintze Ribeiro 67 - 296 629 884), e na Associação Agrícola de São Miguel, no Recinto da Feira de Rabo de Peixe (Campo de Santana, a 2 km da vila - 296 490 001).
Não faço publicidade a estes restaurantes com qualquer interesse que não seja prestar um serviço público aos leitores mais interessados nestes temas da degustação.
Esta publicação serve sobretudo para estimular os leitores a visitarem os Açores. E agora, para além de mil e uma razões para se fazer uma viagem até à ilha de São Miguel, deixo-vos aqui mais uma (ou duas, porque vale bem a pena experimentar os dois restaurantes... só para podermos comparar, claro).
E, para terminar, informo que já fiz umas tentativas em casa para reproduzir este bife e que até ficou bastante bom, não igual, mas muito bom. A receita é simples, um bom naco de lombo temperado com sal grosso - não vale a pena experimentar com vazia ou outra carne qualquer - fazer um molho de azeite e manteiga em lume brando a fritar dentes de alho inteiros, levemente esmagados e ainda com pele, uma folha de louro e pimento vermelho já assado. Quando o molho está apurado aumenta-se a chama e frita-se o bife, só um bocadinho de cada lado para deixar o interior quase cru, mantendo os sucos da carne. Acompanha com batata frita ou batata assada, e vai otimamente com um bom tinto.
E desta vez foi assim, diferente do habitual, com direito a moradas de restaurantes e até à própria receita daquela que será - eventualmente - a melhor carne do mundo. Mas mesmo que esta crónica não vos tenha aguçado o apetite, não deixem de visitar a ilha de São Miguel, que está cada vez mais bonita e mais acolhedora.
Carlos Prestes