Pensávamos estar prontos para todo o tipo de experiências durante a viagem que íamos fazer até ao deserto marroquino de Erg Chebbi, mas nada nos podia preparar para momentos como aqueles que vivenciámos no contacto direto com os nómadas... famílias que optam por uma forma de vida sem destino e sem imposição de regras, preservando acima de tudo a sua liberdade.
Pode parecer uma visão algo poética desta condição mas, pelos relatos do Ahmed, o driver berbere que nos acompanhou por estas paragens, e que entende bem o espírito e a motivação destes povos, apercebemo-nos que, para eles, o mais importante é a sua condição de seres livres e donos do seu próprio destino. Rejeitam as regras a que os sistemas de comunidades ou aldeias se obrigam, e rejeitam também a própria cidadania, não se sentem marroquinos ou argelinos ou de qualquer outro país, são cidadãos livres de um deserto sem fronteiras e, naturalmente, não reconhecem qualquer legitimidade à figura do rei de Marrocos... revêm-se apenas em Alá enquanto muçulmanos devotos.
Um dos maiores problemas daquele modo de vida, contou-nos o Ahmed, numa revelação surpreendente, é a dificuldade em fazer com que as crianças consigam ir à escola. Que coisa estranha e ao mesmo tempo tão fascinante, vidas totalmente despojadas de bens de conforto, mas conscientes da importância de levar as suas crianças à escola, para lhes abrir horizontes e dar-lhes a possibilidade de poderem fazer as suas próprias escolhas na altura certa.
Soubemos no início do dia que nos iríamos cruzar com algumas crianças nómadas, porque o Ahmed quis levar bolos e guloseimas para lhes dar, mas não estávamos à espera de uma proximidade tão tocante, nem de uma experiência tão rica.
Estivemos com grupos de crianças de várias famílias e em vários locais, e todas tinham aquele olhar envergonhado, com os rostos fechados e sem sorrisos. Mas tentámos quebrar o gelo e lá fomos distribuindo aquilo que trazíamos, sobretudo doces, chocolates ou barras de cereais.
E ao receberem o que lhes íamos dando, foram baixando as defesas e, envergonhadamente, lá foram esboçando alguns sorrisos, e aqueles olhos baços e carregados, com que nos olhavam, começaram a cintilar, ganhando um novo brilho e tornando-se meigos e afáveis.
Foram momentos de proximidade e de empatia, tão tocantes e genuínos, numa experiência avassaladora que deixou bem evidente que jamais iríamos conseguir esquecer aquelas crianças nómadas que o deserto nos revelou.
Photo by Marisa Martins |
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