Ao longo de vários anos tive o privilégio de fazer parte da tripulação de um veleiro e, durante esse período, participei em muitas regatas onde chegávamos a lutar pelos lugares da frente. Essa condição competitiva com que vivíamos cada regata não nos permitia desfrutar do verdadeiro prazer de velejar, sem pressa e sem destino. Foi assim, sob a adrenalina do cronómetro, que fomos percorrendo o estuário do Tejo e, por vezes, até para lá do Bugio, chegando a Sesimbra e a Tróia.
Mas nesta viagem, em setembro de 2006, velejando desde o Algarve até Lisboa, fizemos de forma diferente, parámos e navegámos quando quisemos, sem horários nem compromissos, ao longo de três dias, entre o mar e alguns portos de abrigo.
No final de qualquer odisseia o regresso a casa é sempre um momento de grande exaltação e, na nossa chegada a Lisboa, não foi diferente. Já depois de deixarmos a estibordo os longos areais das praias da Caparica, levantou-se a nortada que chega ao rio todos os dias nos finais de tarde, as velas obedeceram e o barco começou a adornar e entrámos em modo de regata, com bordos sucessivos para manter o ritmo e fazer despertar a adrenalina, numa espécie de sprint final, para acabarmos a viagem em beleza.
Contornámos o Bugio, esse farol que é quase místico, e que nos guia mas também nos assusta, revelando uma presença tantas vezes fantasmagórica. Entrámos no estuário do Tejo e o sol começou a cair e foi colorindo as águas em tons alaranjados que iam ficando cada vez mais escuros, num pôr-do-sol que nos mostrava Lisboa numa penumbra quase melancólica, pronta para nos acolher neste regresso a casa.
Apenas três dias no mar, mas podiam ter sido semanas ou meses, que encontraríamos esta mesma cidade pronta para a nossa chegada, guiando-nos ao nosso porto final, junto ao Padrão dos Descobrimentos, onde fomos recebidos pelo mesmo Infante, que tanto simboliza a história dos navegantes, sem nunca sequer ter navegado.
Foram três dias de descoberta, não descobrimos praias desertas nem ilhas perdidas, mas sinto que me descobri a mim próprio mais um bocadinho. Em todas as viagens encontramos sempre qualquer coisa de nós próprios, mas quando temos apenas o mar como parceiro, as reflexões são mais profundas e a descoberta é ainda mais marcante.
A vida continua em terra firme, mas não vou esquecer o flutuar ondulado que me embalou e me encantou nestes dias extraordinários. Baixámos as velas e amarrámos o barco . . . já com saudades desta vida de marinheiro.
Carlos Prestes