Tinha acabado de passar o portão de entrada no LxFactory e reparei na existência do grande depósito de água elevado, que servirá provavelmente para o abastecimento daquele lugar, e onde se podia ler com todo o destaque a frase enigmática, e ali totalmente desprovida de contexto: “Alegria no Trabalho”.
Uma ideia curiosa que me fez subitamente alterar a minha abordagem à visita que iria fazer àquele espaço, passando a observar sobretudo quem ali estava, não como eu ou a maioria dos visitantes, mas os que ali foram trabalhar e que eram o rosto principal de um espaço que acolhia uma multidão de visitantes naquela tarde de domingo.
E fui assim procurar alguns casos que revelassem inequivocamente esse conceito, que é tantas vezes apenas uma miragem, de que o trabalho pode ser também uma das nossas fontes de alegria e contentamento . . . e foi com esses olhos que me fiz ao caminho.
O LxFactory é sempre um lugar muito particular e alternativo, mas aquele era um dia ainda mais especial, com o LxRural, a feira de domingo que enche o local com pequenas tendas para venda de vários artigos, sobretudo, de artesanato.
E tudo aquilo só era possível porque, naquela manhã, várias pessoas abdicaram das suas folgas domingueiras e para ali foram, percorrendo diferentes caminhos com um mesmo destino, cumprindo mais uma etapa das suas viagens, “essas viagens de vida que todos começámos no dia em que nascemos” . . . foram essas as palavras do Zé Pedro, um português do mundo, um viajante perpétuo, vendedor de ornamentos indígenas, que apregoava orgulhosamente como originais, trazidos diretamente das colónias de índios do Brasil, como os Pataxós, com quem partilhou algumas experiências, quando o acolheram como sendo um deles e descobriram juntos cristais e outras pedras preciosas, que vendia agora em forma de brincos.
E mais atrás, na banca Colheita d’Óbidos, vindos do Oeste, numa viagem mais curta, ou talvez bem mais distante, muito mais enquadrados em mercados de fruta tradicionais do que em feiras alternativas, como esta, um casal de fruticultores de meia idade vendia morangos das suas próprias plantações, tentando torná-los mais apelativos ao mostrarem, com satisfação, um spray de chantili que se tinham lembrado de trazer, para agradar aos clientes.
Na tenda do Pedro Mãos de Bigode o costureiro e vendedor, sentado à máquina de costura, ia personalizando t-shirts, aplicando bolsos e outros motivos, que transformavam cada peça de roupa num artigo com assinatura, e era bem visível a sua alegria, a sua satisfação, ao perceber o reconhecimento de quem o observava, o orgulho de ver a sua criatividade apreciada.
E ali bem perto, no interior de uma galeria de arte, um grupo falava de algo que parecia fascinante, pelos risos, as expressões nos rostos, as conversas gesticuladas. Quase parecia uma roda de amigos, mas era certamente um curso ou um workshop. Descobri depois, quando saíram e se misturaram com a multidão, que o curso era organizado pelo Filipe, um portuense que tinha preparado os conteúdos e partilhava ali as suas experiências entusiasmantes de viajante pelo mundo, ensinando técnicas para escrita de viagens.
E ali estava o paradigma acabado . . . o do eterno viajante, fotógrafo e escritor . . . talvez o exemplo mais evidente para ilustrar esta imagem que me inspirou ao longo daquela tarde de domingo, de que um trabalho pode muito bem ser, uma imensa e vibrante alegria.
Carlos Prestes