terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sinais da boémia parisiense

Ao longo dos anos tive a oportunidade de visitar a capital francesa mais de uma dezena de vezes e, por isso, fui conhecendo os mais diversificados pontos de interesse que a cidade nos pode oferecer e todo o tipo de emoções que podem ser experimentadas . . . basta procurar, como quem escolhe num menu.

E, neste caso, vou-me concentrar apenas nas experiências vividas nos principais locais de vida noturna e da boémia parisiense mas, sendo assim, não posso, de todo, limitar-me a uma única foto, pelo que vou juntar várias fotos que vão ilustrando as diferentes histórias.

E vou começar pela Rive Gauche, na margem esquerda do rio Sena, é o coração da noite parisiense, o chamado Quartier Latin fica localizado entre a Ile de la Cité, onde se ergue a majestosa Notre-Dame, e a Université Paris-Sorbonne, incluindo alguns locais de grande animação, entre as ruelas mais apertadas e mais típicas e os elegantes Boulevards Saint-Germain e Saint-Michel

Nesta zona conheci alguns locais de animação noturna, para além das próprias ruas do Quartier Latin, sempre agitadas quando a noite cai. E dos muitos restaurantes e bares que por ali se encontram, vou deixar o registo da minha experiência no Café Le Procope, um restaurante que é também um marco da história e da cultura da cidade de Paris. Foi fundado em 1686 e é mesmo o restaurante mais antigo de todo mundo que ainda está em atividade. A experiência é requintada, talvez até em excesso, mas não se pode pensar que estamos apenas num café ou restaurante. Aquele jantar, numa noite de Inverno de 1996, foi muito para além de uma experiência gastronómica fantástica, que me levou a provar diferentes lotes de ostras, com vinhos brancos, que iam chegando à mesa na sequência apropriada a cada fase da degustação. Isso é muito bom - claro que é - mas neste restaurante não é isso que mais impressiona. O que mais me marcou foi a possibilidade de usufruir de um ambiente impregnado da história e cultura parisienses, que se respira em cada sala e em cada recanto. Percebe-se, pelas referências, que o espaço foi frequentado por grandes vultos das épocas mais marcantes da história francesa, como Napoleão Bonaparte e outras figuras ilustres do período da Révolution Française. 

O Le Procope está também associado ao conceito dos chamados cafés literários (como acontece com o nosso Martinho da Arcada), com a presença registada de alguns dos mais ilustres escritores, dramaturgos e pensadores franceses, como Molière, Voltaire ou Honoré de Balzac. Já mais tarde, na segunda metade do século XX, o Procope era o local preferido para as tertúlias entre intelectuais parisienses, como Simone de Beauvoir ou Jean-Paul Sartre.
Mas quando penso nesta experiência, fico sempre sem saber o que mais me terá emocionado naquele local . . . se a sensação de respirar um ambiente com um lastro histórico e cultural incalculável . . . ou se terão sido antes os deliciosos crêpes flambées au grand marnier


Depois de jantar, qualquer que seja o restaurante escolhido, impõe-se um passeio até à rue de la Huchette, já bem próxima da margem esquerda do Sena, para uma visita à cave do nº5, o Le Caveau de la Huchette. Trata-se de um clube de Jazz recriando um ambiente, quase autêntico, dos anos 50, com uma banda a tocar um som ritmado e bem dançável, e com o salão cheio de dançarinos, que vão ensaiando os seus melhores passos de dança, embalados pelos ritmos contagiantes do swing. O ambiente é giríssimo, funciona como nos antigos salões de baile, com os homens a procurarem as suas parceiras em plena pista de dança nos intervalos das músicas . . . muito old school. E até eu, que tenho uns pezinhos para dançar que mais parecem duas mesinhas de cabeceira, lá me fiz à vida e também dei o meu pé-de-dança . . . terá sido uma noite muito má para aquele clube! Mas a experiência foi fantástica. 


Ainda sem sair do Quartier Latin, recomendo um passeio ao longo da margem esquerda do rio, até à Pont des Arts. Passear pelas margens do Sena é sempre uma experiência encantadora, mas, naquela zona e durante a noite, a paisagem revela-se ainda mais bonita, com as imagens dos edifícios iluminados da Ile de la Cité . . . e a grande catedral, sempre presente, sempre dominante.

Mais à frente surge então a Pont des Arts, uma ponte pedonal que atravessa o rio levando-nos diretamente até às portas do Louvre, que se transformou num local de concentração de jovens, que por ali ficam, pela noite fora, sentados no pavimento de madeira, só na conversa, ou tocando viola e cantando, e - claro - sempre bebendo e fumando, sabe-se lá o quê.
Os guarda-corpos da ponte foram sendo preenchidos com milhares dos chamados “cadeados do amor”, num gesto escolhido por muitos casais de namorados, para selar a sua paixão, prendendo à ponte um cadeado que simboliza a ligação entre eles e deitando depois a chave ao rio, garantindo, dessa forma, que essa ligação jamais se irá romper . . . mas é bom que não confiem apenas nos cadeados e façam mais alguma coisa no dia-a-dia para manter a relação forte e unida - digo eu. Mas, mais recentemente, por motivos de segurança (tanto da própria ponte como dos barcos que passam por baixo) os cadeados foram retirados e lá se foram as juras de amor eterno. 
Mas com cadeados ou sem eles, esta ponte deverá ser sempre um local de visita obrigatória, não encontraremos sinais da típica boémia parisiense, mas descobriremos outras motivações para uma noite bem agradável. 


Saltando agora para outro dia e para um outro local da boémia noturna, depois de um percurso de Metro até à estação de Anvers, chegamos à igreja do Sacré Cœur e ao bairro de Montmartre. Escolhendo o final da tarde para chegar a esta zona, podemos observar o anoitecer na Place du Tertre, a imensa galeria de arte a céu aberto, onde dezenas de pintores tentam ganhar a vida fazendo retratos ou caricaturas aos turistas que vão passando. Ao entardecer observa-se cada um deles a desmontar os seus cavaletes e a arrumar tintas e pincéis, e a praça vai ficando vazia, de pintores e de turistas, e as casas, cafés e restaurantes, vão-se mostrando finalmente de forma genuína. E podemos ainda acompanhar as vistas magnificas sobre a cidade que os miradouros daquele local oferecem, e as imagens da igreja do Sacré Cœur, sempre extraordinariamente belas.

Quando a noite cai podemos então caminhar até à zona de maior concentração de atrações noturnas, junto à Place Pigalle, percorrendo toda a Rue Lepic. No nº15 desta rua vamos encontrar um outro espaço de referência, o Café des Deux Moulins. Aparentemente é só mais um bar ou café de bairro, que se transforma num bistrô que também serve refeições e onde podemos parar para um jantar rápido e ligeiro. Mas este local é bem mais do que isso, para mim, é sobretudo importante por ter sido palco de um dos filmes franceses de referência o Le fabuleux destin d'Amélie Poulain.


A escassos 300m chegamos depois ao Boulevard de Clichy, que nos leva entre a Place Pigalle e a Place Blanche, numa zona onde nos cruzamos com vários tipos de estabelecimentos de diversão noturna mais da pesada, onde abundam as sex shops e os night clubs. Mas foi já em plena Place Blanche que encontrei o local escolhido para passar um serão diferente, assistindo a um espetáculo numa das casas de diversões mais antigas e mais importantes da cidade, o Moulin Rouge

É um verdadeiro cabaré tradicional, construído no final do século XIX, onde podemos assistir a espetáculos que continuam a recriar o ambiente boémio da Belle Époque. Mas, para mim, também o Moulin Rouge é bem mais do que um cabaré parisiense, é acima de tudo o magnifico cenário de uma das produções de cinema mais arrojadas . . . e que, mesmo sendo um musical, consegue ser um enorme filme. 

Estas foram apenas algumas experiências que aqui partilho para inspirar quem quiser conhecer a noite da capital francesa, com vários sinais da boémia parisiense, dos mais antigos e recheados de história, aos mais espontâneos e mais atuais. Tudo se consegue encontrar . . . é emoção à la carte ao mais alto nível. 

Carlos Prestes 

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domingo, 5 de setembro de 2010

No esplendor da noite - We'll always have Paris

Todo o esplendor monumental que a cidade de Paris oferece a quem a visita, com os seus magníficos edifícios, palácios e museus, adquire, durante a noite, uma nova face, quando os monumentos e as avenidas se iluminam, e nos proporcionam uma imagem diferente desta cidade, mas nem por isso menos bonita.

Mas para encontrarmos esta nova perspetiva da capital francesa é preciso estarmos disponíveis para percorrer os mesmos locais que visitámos durante o dia, depois da noite ter caído e o céu escurecido, com a curiosidade de quem procura uma cidade diferente, mais autêntica e mais sedutora, muito mais próxima do verdadeiro sentido do nome por que é conhecida... “A Cidade da Luz”, com milhões de pontos luminosos, definindo os contornos de um local que é assim ainda mais magnifico. 

Paris não é bem aquela cidade onde se ganhe muito em interagir com quem lá mora, o contacto pessoal não é claramente um dos seus pontos fortes. E, por isso, à noite, quando a cidade perde os seus habitantes e faz surgir apenas alguns dos seus vultos que mal se reconhecem na escuridão, Paris pode ser mais genuína, e ser realmente aquilo que ela é... uma cidade modelo, a mais bela de todas as cidades... é assim que vejo Paris quando penso apenas na sua arquitetura e na sua estética, um local esteticamente prodigioso. 

E são sempre esses passeios noturnos que mais me agradam, percorrer uma cidade deslumbrante, sem procurar a sua palpitação, mas apenas em busca da sua beleza . . . a beleza e o brilho das suas jóias principais. São os grandes boulevards com edifícios monumentais bem iluminados, autênticos palácios reais em dias de festa, que vão surgindo em cada quarteirão. São as preciosidades que a cidade vai mostrando, como o imponente arco, triunfando no topo da grande avenida, ou as margens de um rio, que à noite são ainda mais bucólicas e inspiradoras, com cada ponte a surgir brilhante, como uma peça de arte que ornamenta o trajeto das águas. 

E depois há sempre o encontro com a grande torre, tão cansada de carregar milhões de visitantes à luz do dia, ergue-se à noite como um símbolo maior do encantamento com que esta cidade sempre nos comove. 

E por muitas que sejam as viagens que que vou fazendo à cidade de Paris, angustiam-me sempre as despedidas... mas sei que o regresso será inevitável, tem sido sempre assim e assim continuará a ser... por muitos mundos que se conheçam, esta é uma cidade que sempre me irá atrair para uma próxima visita... recordando-me a frase imortal de Humphrey Bogart para Ingrid Bergman, numa das despedidas mais célebres da história do cinema... we'll always have Paris

Carlos Prestes 
Agosto de 2010