Sempre que visito a capital espanhola, aquilo que mais me atrai, é o que se encontra nas próprias ruas, não só a arquitetura ou a geometria da cidade, mas sobretudo a azáfama que se observa. São as pessoas, que se movem com aquele ritmo tão castelhano, de viver sempre en las calles. São as esplanadas cheias de gente. São os restaurantes e barras de tapas, tão apelativos. E a mim, encanta-me entrar nesse ritmo frenético e deixar-me levar pela corrente, parando sempre para umas tapas e umas copas.
Nunca deixei de aproveitar as noites quentes madrilenas e saborear as iguarias mais típicas que a cidade tem para oferecer. Começando invariavelmente por umas cañas, que ajudam a saciar a sede que o calor provoca, e ir depois degustando os vários menus de tapas . . . dos revueltos às tábuas de quesos e embutidos ibéricos, dos pimentos padron às tortilhas, das patatas bravas aos calamares.
E no final da noite saio sempre com a mesma sensação, e com a certeza de que não estive no melhor dos restaurantes, nem experimentei a melhor das refeições . . . mas, naquelas noites quentes na frenética Madrid, duvido que algo que me pudesse ter sabido tão bem.
Mas Madrid não é só tapas e copas, Madrid é também um extraordinário pólo de concentração cultural e artística e, por isso, vou complementando as viagens que faço a esta cidade, com umas visitas mais culturais. E assim, ao longo dos anos, fui conhecendo alguns dos principais museus da cidade. E, desta vez, para fechar um fim-de-semana grande na capital espanhola, programei uma visita ao Museo Reina Sofía.
É um dos mais importantes museus de arte moderna de Espanha e inclui algumas obras de referência. A sua coleção tem várias peças dos principais artistas espanhóis do século XX, como Salvador Dali, Juan Miró e, sobretudo, Pablo Picasso, autor do quadro Guernica, a grande atração do museu.
O Guernica é um painel com 7,8m x 3,5m, pintado a óleo por Pablo Picasso em 1937. O quadro é enorme e perturbante, e é inspirado nos bombardeamentos que massacraram a cidade espanhola de Guernica, em abril de 1937, feitos por aviões alemães, durante a Guerra Civil espanhola, numa operação de apoio de Adolf Hitler ao ditador Franco.
Enquanto percorri as várias salas do museu, com motivos de maior ou menor interesse, fui tendo a noção de que era um mero visitante do local e das peças de arte que ia observando. Algumas nem me chegaram sequer a tocar minimamente, mas houve outras que me envolveram e que me levaram a uma observação mais cuidada e demorada. Mas era sempre e apenas um espetador que apreciava aquela mostra de arte e nunca para além disso.
Mas perante o Guernica a sensação foi diferente. Mais do que uma tela, foi como se Pablo Picasso nos tivesse deixado as imagens vivas de um massacre, que me envolveram como se estivesse a ocorrer algo de realmente trágico em cada instante em que a observava . . . e já não era só um mero espetador, passava a ser agora uma testemunha, sem poder ignorar aquilo que os meus olhos tinham acabado de presenciar.
Foi assim que me senti, vivendo um momento especial, uma sensação quase irrepetível. Mas esta é claramente uma reação pessoal, não é algo que o quadro ofereça a todos os visitantes, podemo-nos envolver mais ou menos e, naturalmente, cada um terá sentido à sua maneira, a sua presença junto daquela obra.
E, na verdade, qualquer que seja o impacto emocional que o quadro nos provoque, acabamos por fazer todos o mesmo. Entramos, paramos, olhamos, respiramos fundo, voltamos a olhar, demoramos o tempo que entendemos ser necessário . . . e abandonamos a sala.
Mas se, para alguns, este processo começou e acabou naquele instante e naquele local, para mim, a imagem daquele quadro e do massacre que ele representa, perdurou na minha memória como uma história real perturbadora que, naquele momento, me foi dada a testemunhar.
Carlos Prestes
Carlos Prestes
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