Num dia escaldante de dezembro de 2014 deixei a Cidade do Cabo para uma jornada que se adivinhava desafiante. Saindo da costa atlântica pela manhã, iria chegar às praias do Índico ao final da tarde e, pelo caminho, teria de transpor o cabo mais meridional do continente africano, um local que toda a vida me inspirou, pela sua história e a sua localização geográfica, mas sobretudo pelo simbolismo que sempre lhe esteve associado, ora de tormentas ora de boa esperança.
E é natural que nós, portugueses, nos tenhamos habituado a ver este cabo como um símbolo das conquistas lusas, e é aqui, mais do que em qualquer outro lugar, que nos pode fazer algum sentido a frase patriótica com que começa o nosso hino invocando os “heróis do mar”, sem nome e sem rosto, mas os primeiros a fazerem da tormenta uma boa esperança.
E algumas horas depois, já no parque natural do Cape of Good Hope, parei junto a um monumento muito especial, o Padrão de Bartolomeu Dias, o navegador português que, em 1488, conseguiu, pela primeira vez, dobrar o cabo que ele próprio havia apelidado de Cabo das Tormentas. A passagem por aquela extremidade de África foi de uma importância vital para a campanha dos descobrimentos portugueses, pois mostrou, pela primeira vez, a ligação entre o oceano Atlântico e o oceano Índico, prometendo a tão desejada chegada à Índia. Mais tarde seria Vasco da Gama, outro português, a fazer a segunda passagem registada por aquele local, já na sua caminhada marítima até à Índia. E, por isso, figuravam ali duas placas alusivas aos dois navegadores portugueses.
E foi incrível a sensação que experimentei junto a um monumento como aquele, que não é mais do que uma peça de betão simbolizando os antigos padrões erguidos pelos navegantes. Mas a verdade é que me senti tocado por aquele símbolo, com qualquer coisa de patriótico que não costumo sentir. E, por isso, foi natural ter decidido ficar por ali algum tempo, numa reflexão introspetiva, e quase religiosa, que me pareceu até um pouco estranha, para quem, como eu, nunca valorizou particularmente as façanhas dos descobrimentos.
E ali estava eu, naquele local tão improvável, perante um símbolo de conquistas lusitanas, com um inusitado orgulho patriótico, por fazer parte de uma nação passada que quase ignorei, sentindo, inesperadamente, uma honra muito especial em ser português.
E este orgulho lusitano tocou-me de tal forma que, mal tive companhia junto ao monumento, uma carrinha cheia de turistas sul-africanos, aproximei-me e apontei para as placas com as mini biografias de Bartolomeu Dias e de Vasco da Gama e disse, com vaidade: estes são dois heróis portugueses, e são do meu país, de Portugal . . . e acrescentei ainda, só para os localizar: eles e o Cristiano Ronaldo.
Carlos Prestes
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