Estava em Maputo num dia de dezembro de 2014 e resolvi pegar no carro e seguir para Sul, chegar à fronteira e atravessar até à Suazilândia. Por não ter companhia decidi seguir viagem sozinho. O meu carro era um jeep, daqueles que nunca nos deixam ficar mal, o que, em África, é essencial e, por isso, senti-me com coragem suficiente para enfrentar o desafio.
A Suazilândia é um pequeno país entalado entre a África do Sul e Moçambique, com muitas influências sul-africanas, nomeadamente na capital, onde se encontram os sinais de modernidade das cidades mais desenvolvidas. No entanto, quando conhecemos algumas aldeias e quando nos apercebemos do tipo de leis com que se regem, concluímos que se trata de um país perfeitamente tribal, onde a modernidade que se encontra na capital é apenas uma fachada decorativa. Só como exemplo de alguns dos hábitos locais que nos chocam, para além da poligamia, uma prática habitual, o Rei, todo-poderoso, tem mesmo o direito a escolher de 2 em 2 anos uma nova concubina, numa cerimónia pública onde se juntam algumas dezenas de virgens, para que ele possa escolher a nova Rainha, que se vai juntar a mais uma dúzia delas, escolhidas nos anos anteriores.
De qualquer forma, a minha intenção não era avaliar os hábitos do reino da Suazilândia, o meu objetivo era apenas passar um dia em safari no Royal National Park Hlane, um parque natural, propriedade de Sua Majestade, o Rei.
O Hlane fica a apenas a 120Km de Maputo mas, em África, uma viagem dessas não é bem a mesma coisa do que em qualquer outro local. Não sabemos o que nos pode acontecer, se existem cortes de estrada, se a polícia nos manda parar para nos multar, ou para lhes pagarmos um “refresco”, e principalmente porque havia uma fronteira para atravessar e aí os problemas podem ser bem mais complicados. Nestes países, os habitantes são normalmente cordiais e afáveis, mas aqueles que detêm um pequeno poder, como polícias, funcionários da alfândega, alguns funcionários públicos, por exemplo os que tratam dos vistos, sempre que o poder lhes está nas mãos, ainda que seja um poder minúsculo, o comum é haver sempre um abuso desmesurado desse poder, chateando-nos até à exaustão para nos levar a tentar resolver o assunto de forma mais ágil. Lá superei os vários guardas da alfândega, com formulários intermináveis para preencher, desde o número do chassis do carro, às minhas moradas todas, em Moçambique, na Suazilândia e no resto do mundo. E lá cheguei ao Hlane.
Comecei por fazer um safari num Land Rover, daqueles abertos, sem portas nem janelas, que percorrem o parque e nos dão a sensação de proximidade com os animais . . . às vezes chega mesmo a criar-se um certo desconforto tendo em conta o convívio com algumas espécies menos amistosas.
O parque tem três secções distintas. Uma mais soft, onde o Rei costuma fazer caçadas e que é sobretudo ocupada pelos animais mais pacíficos, impalas, zebras e girafas, e também algumas famílias de rinocerontes. Uma outra zona, mais da pesada, com todo o tipo de bichos, como elefantes, búfalos e leões. A terceira zona é uma reserva de proteção de rinocerontes onde se encontram algumas dezenas destes imponentes animais. Foi por essas três zonas do parque que o jeep deambulou durante toda a manhã, e é sempre fantástico o contacto próximo com certos animais, sobretudo as manadas de elefantes que são sempre fascinantes.
Mas à tarde tinha ainda um outro desafio, um excitante walking safari. É concebido principalmente para apreciarmos as aves do parque, mas, como se percorre um espaço com muitas outras espécies, adquire um interesse que vai muito para além da observação dos passarinhos.
As aves interessavam-me pouco, a menos de uns abutres, a que achei uma certa piada, porque me lembram sempre o imaginário dos filmes de animação e, sobretudo, das águias, e em especial da águia de cabeça branca, imponente e real, quase tão majestosa como a águia do Benfica.
Mas o interesse principal deste walking safari foi a adrenalina de percorrer um espaço ocupado por espécies selvagens, sem a proteção do Land Rover, mas apenas com um guia, ou Ranger, que nos acompanhou de carabina devidamente preparada para qualquer eventualidade.
E começaram a aparecer os animais do costume, mas que, agora, me pareciam muito mais próximos, por vezes até, demasiadamente próximos. Enquanto foram as impalas e os javalis, não me cheguei a assustar, mas as zebras e as girafas, já me deixaram mais apreensivo, embora, estas últimas, sejam animais extraordinários . . . bonitas, majestosas, elegantes e, tanto quanto pude observar, pacíficas.
Mas o meu maior receio era a possibilidade de aparecerem rinocerontes, embora, naquela zona, existissem apenas algumas famílias. Mas acabámos mesmo por avistá-los e até bem perto de nós, mas, aparentemente, estavam pacíficos em torno de um charco, provavelmente mais interessados na vidinha deles do que naqueles curiosos que por ali andavam, e isso foi uma ótima notícia. Mas apesar do aparente pacifismo daqueles bichos, durante todo o tempo em que ali estive e os observei, o coração palpitava com uma força que quase me saía pela boca.
E enquanto regressávamos no final desta aventura e os nervos acalmavam, seguimos ainda a mais bela das girafas que tínhamos encontrado, caminhando vaidosa, ocupando o caminho como quem desfila por uma passerelle, rebolando-se para um lado e para o outro.
Acabei este passeio como quem cumpre um desafio, como quem alcança o cume de uma grande montanha, cansado da caminhada e sobretudo trémulo da adrenalina, mas muito compensado por um dia de emoções fortes, daquelas com que a vida se constrói.
Carlos Prestes
Dezembro de 2014
Dezembro de 2014
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